quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Corrente

"um dia tudo passa...
Passa o vento que soprou,
O amor que murchou
A decepção que seu coração quebrou...
Um dia tudo muda, 
Muda de endereço, 
Muda de preço
E ai você me pergunta, mas pra onde foi aquele que você era? Pra onde foram seus sonhos?
E eu te respondo, foram procurar felicidade, felicidade de verdade, porque de mentiras a terra esta coberta de ponta a ponta."
Eu não tenho ideia de quem seja esses versos (posso estar cometendo uma gafe sem tamanho, mas realmente não sei), mas é inegável o real poder dessas palavras.
Nós passamos boa parte da vida derramando lágrimas por milhões de motivos; por amores, por decepções de diversas formas, por ex-amigos, antigos formatos de vida, por perdas.
Realmente, a vida não é um mar de rosas. Nem tudo o que vivemos é motivo de alegria e risos, mas daí ficar chorando nos cantos é outra coisa. Nem todas as nossas ações são admiráveis, principalmente para a sociedade julgadora que não tem ideia do peso que você carrega nas costas. Só você sabe quantos quilos tem o seu tormento.
Até bem pouco tempo achava que uma das coisas mais duras no mundo era o rompimento. Verbo romper no dicionário é descrito como “dividir, partir, separar com violência; despedaçar, dilacerar, quebrar: Romper grades, paredes. Romper as malhas da intriga. "Romper-se o mar nos rochedos”.
Essa explicação dói só de ler, mas na vida aprendemos que deixar romper algumas coisas pode ser um exercício saudável para se seguir em frente.
Fiquei pensando na velha expressão “romper correntes”. Lembrei de imediato do herói não convencional Quasimodo, conhecido popularmente como O Corcunda de Notre-Dame. A história do personagem de Victor Hugo foi diversas vezes adaptada ao cinema. Para mim, a mais clássica dessas interpretações do romance francês foi feita pela Disney em 1996.
Uma cena que ficou marcada em minha mente é quando o Quasi (nome carinhoso dito no filme que eu acabo de me apropriar) fora acorrentado por seu padrinho maléfico. Do alto da catedral ele assiste ao brutal espetáculo da preparação da morte de sua amada Esmeralda, uma cigana que ignorou o amor doentio do mau caráter e por isso é condenada às chamas pela (cavada) acusação de bruxaria.
Vendo aquela devastação, seus amigos gárgulas (imaginários personagens de pedra) o incentivam a largar aquelas amarras. Sair dali, quebrar as correntes. Mas Quasi nada faz. Uma das gárgulas se volta para ele e diz: “Nós somos feitos de pedra. Achei que você fosse feito de algo melhor”.
Quasi então decide desafiar seu destino de perdedor. Se revolta contra seu ídolo podre (o padrinho), esquece o povo que sempre zombou de sua aparência e resolve tentar salvar Esmeralda. Quebra, literalmente, as correntes e vai. O ato lhe rende respeito e uma vida inteiramente nova.
A cena que ficou no meu imaginário desde a infância, hoje ajuda a entender como esse ato de romper as correntes é importante. Certas vezes deixar coisas para trás, pessoas, vidas que mudam, é quebrar correntes. Desapegar daquilo que um dia lhe aprisionou, mas que no costume você achou que era uma forma de felicidade – talvez a única que os seus olhos podiam ver. Quando estamos aprisionados, quando não sabemos o que tem do outro lado, terminamos por acreditar que aquela desgraçada vida é tudo que nos resta.
A dor do romper é latejante, quase sufoca. Muitas vezes essa agonia nos dá o entender que erramos, radicalizamos. Bate o medo e a saudade. Aquela vontade imensa de voltar no tempo e tentar de novo, até que um dia, resistindo às tentações de reviver o próprio mundo que fadou ao fracasso e hoje finalmente é morto, é lápide, acorda e entende que além daquela linha tênue entre as lágrimas de medo e a realidade existe vida.
O processo do fim é tremendamente desgastante, mas daí eu roubo a explicação do poeta Ferreira Goulart: “E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade”.
Nada rompe se for bom. As correntes só estouram ao meio se lhe forem empregada muita força ou, simplesmente, estiverem enferrujadas, enfraquecidas... podres. Para essa, o melhor destino é o lixo. E adeus.
Marcos Ferreira Silva

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O barco

Para Sabrina da Cruz
Sabe, um dia encontrei um barco na beira do mar. Um mar revolto, cheio de ondas ferozes. Era perigo eminente. Sem pensar muito, entrei no barco. Era uma canoagem pequena, alguns minúsculos compartilhamentos. Havia quatro remos; dois de um lado e dois do outro. Era óbvio que a embarcação precisava de duas pessoas para comandá-la. Não entendia nada de barcos, nem mesmo a razão daquele equipamento não poder ser guiado apenas por um sujeito. Bobagem, não queria velocidade, queria só chegar do outro lado.
Observei o horizonte, a vista turva. As nuvens pesadas. Senti uma lágrima de chuva pousar em meu rosto. As gostas faziam cócegas na superfície do mar. Não me intimidei. Comecei a mexer no barco ali aportado, empurrando-o para o oceano.
Com um pouco de trabalho, consegui desprende-lo da costa sem arranhar o casco nas pedras. Tinha um profundo receio de furar alguma parte daquela embarcação e, sem perceber, seguir viagem e acabar naufragando. O medo impulsionou um perfeccionismo que nunca detive. Chequei cada parte do pequeno barco. Averiguei todos os detalhes e me dei conta apenas de uma coisa: o que fazer com os dois remos extras?
Retirei as duas hastes grandes e pesadas e larguei ali mesmo na praia. Sentei-me no barco e fui mar adentro. O frágil barco seguia seu caminho com dificuldade, forcei o braço o quanto pude, com a intenção de dar mais impulso ao veículo. A chuva engrossava e eu já tinha o corpo todo encharcado. As roupas pesavam e os movimentos estavam ficando retardados. Os remos pesavam uma tonelada.
Um raio cortou o céu. Um arrepio tomou minha espinha. Tremi. Pensei em livrar-me daquela blusa, que de tão molhada não permitia os meus movimentos, mas não podia largar os remos. Novamente o medo veio me visitar. E se soltasse os remos e o mar os levasse embora? O que seria de mim? Fiz algo que não devia ter feito: olhei para trás e já não enxerguei a praia. Estava sendo engolido pelo mar.
Enfim entendi o motivo do barco precisar de dois remadores. Não tinha mais controle da embarcação. Andava em círculos sem me dar conta. Os ventos estavam cada vez mais pavorosos. Não queria admitir, mas estava no meio de uma tempestade, sem sequer saber para que lado estava o norte ou o sul.
O mar não perdoou minha ousadia. Os ventos fortes jogaram uma imensa onda sobre mim e o pobre barco não aguentou. Víramos no meio do oceano. Um trovão estridente e impiedoso seguiu o clarão do raio, batizando o meu fracasso.
Estava à deriva, pronto para morrer ali mesmo. Num breve lapso de consciência, agarrei-me ao barco capotado e o abracei como se ele, sem o meu comando, pudesse me salvar. Fui arremessado por um sopro divino e, sem me dar conta, fui jogado na beira da praia novamente. Estava vivo. E isso era um milagre.
As nuvens se dispersaram e o sol abriu no meio do céu. Primeiro uma pequena fresta entre as nuvens, e logo já era novamente brilhante como numa manhã de verão.
Estava tudo acabado. Nunca chegaria do outro lado. À minha direita o barco, impressionantemente intacto. Os remos foram devolvidos pelo mar. Aqueles que eu havia deixado na praia sumiram. Não adiantava mais correr. Era melhor ficar ali mesmo e lamentar o fracasso. Fechei os olhos e abaixei a cabeça em meio aos joelhos. Senti uma mão em meu ombro. Era uma mão confortante. Levantei-me e encarei a figura de sorriso doce e olhar penetrante. Era você. Em suas mãos os remos que eu, teimosamente, tinha largado na praia sem saber da importância.
Não precisei fazer nada, você mesma desvirou a embarcação suja de areia. Com um pano que trazia como de caso pensado, limpou o barquinho. Tirou do bolso uma bússola e me entregou. Entrou no barco e disse: “vai chover de novo”. Respondi: “é melhor ficarmos aqui então”. “Não é melhor irmos”, você retrucou.
Você posicionou os remos na posição certa e falou: “pegue os seus, agora você não vai afundar, vou remar com você”.
Cismado, perguntei: “por que está fazendo isso?”. Você pausou e respondeu: “esperei minha vida inteira por alguém que remasse comigo. E aqui está você. Vamos logo, precisamos chegar do outro lado”.
Teimoso, eu interroguei novamente: “mas não apareceu ninguém nesses anos todos?”. Você docemente falou: “até surgiram algumas pessoas, mas te vendo querendo chegar do outro lado, eu tenho certeza que é você. Só você. Vamos!”.
Marcos Ferreira Silva

domingo, 6 de outubro de 2013

Pra te dar...

Pra te mostrar um pouco de quem sou, deixei que secasse minhas lágrimas... Pura mentira, pois elas caíram involuntariamente de meus olhos, mas estrategicamente estavam prontas para serem amparadas, para que as enxugasses e divagasse palavras que acalmasse meu pobre coração ferido.
Pra te dar um pouco de alegria, fui à feira. Comprei kiwi, mamão, maça e açaí só pra te ver sorrir. Quem sabe eu não consiga.
Pra lhe ver cantar, comprei as entradas do show dos seus músicos preferidos. Tentei decorar uma música, mas esqueci. Depois como resposta, seus olhos encheram-se d’água, e sem muito que dizer, eu fui até você apenas para controlá-las. 
Mas valeu à pena, pois antes de dizer tchau, boa noite, sonhe com os anjos e comigo, antes de recomendar que ficasse com Deus, você me abriu um sorriso, me apertou e disse: te amo!
Cheio de graça, percorri as ruas vazias da cidade, temeroso por causa de cães raivosos e candidatos ao crime que dão um pouco de movimento à calada da noite.
Durante a semana, abri o e-mail só pra saber que estava do outro lado aguardando uma mensagem minha. Liguei o rádio e a primeira música que ouvi era só pra te falar que aqueles versos são um pouco do que sou.
Um dia acordei chorando, levantei e fiz o que tinha de fazer. E não importa o quão machucado e dolorido eu estava, o remédio é você. E quando o ego caiu por terra, quando a alegria se apaga, eu sorrio olhando para o seu rosto.
Só pra te agradar um pouco, prostrei-me sobre o papel. A poesia que reclamo ter morrido surgiu para que eu pudesse falar um pouco a você. As palavras que já há muito não têm forças para brotar em meus dedos, nasceram, enfim, do meu coração.
E você me pediu para eu fazer um texto sobre você, mas fiz um texto sobre mim. Isso vem a dar no mesmo. Pois já não é de hoje que eu sou um pouco muito de você e vice-versa.

Marcos Ferreira Silva

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Céu

Hoje olhei para o céu...
As nuvens pesadas. Mãos entre luvas, vapor de respiração. Olhos cansados e o peso dos ombros que doem a cargo de tensão.
Passos rápidos para não perder a hora. Rotina. Ardor nas pálpebras. Frio. Cabeça que lateja.
Olhei novamente para o céu e desejei boas notícias do sul e alegres novidades do norte.
Vasculhei os bolsos. Celular com defeito. Caminhei. O trem cheio... conversas distorcidas em minha mente. Desatenção, distração.
Plataforma vazia assolada pelas baixas temperaturas. Andei só pela rua. Faltou o ar. Enfim senti calor por causa dos movimentos.
Cruzei a porta e senti o cheiro do café e da inveja. O tronco dolorido. Tensão. Risos e risinhos falsos.
Bateu saudade de olhar para o céu.
Fiz o que tinha que fazer, torcendo para as horas voarem.
Faltava o eu dentro de mim. Faltava a verdade.
Conciliei o fato de estar só com a realidade de ter pessoas ao meu redor.
Queria olhar para o céu, mas o teto e as paredes impediam a visão.
Tomei café. Estava quente. Ameacei abrir um sorriso.
Não vi o jornal. O que acontece no Egito? Santo Deus, ele matou a família!
As horas estacionadas... nenhuma boa notícia do sul. A última informação do norte era de lágrimas.
Rezei. Queria ver o céu. Livre e límpido. As nuvens tristes escondem o sol.
Fiquei esperando o tempo abrir e me calei.
Eu só queria ver o céu.
Marcos Ferreira Silva

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Valer o Q

Quem sabe a vida seja mais simples. Simples e bela como um rock gaúcho. Mas sempre transformamos a vida numa coisa tão complicada quanto os números da bolsa de valores, aquela coisa louca que pira até o Eike Batista.
Em muitos momentos me questiono o motivo de transformar fatos, conversas, decisões em lágrimas. É meio do ser humano, eu sei. Mas então por que ser igual a tudo que ser vê por aí?
O homem é covarde e padece em seus próprios medos fúteis que não levam a nada. Se afoga na preguiça de tentar algo novo para si próprio. Deixa de ser realizado e feliz, pois se cansa até de levantar as mãos para o céu e pedir.
Preguiça de caminhar e tocar em frente. Receio do que pensam e falam sobre você. Medo de arriscar... medo de ter medo.
Agora levante ou sente na frente do computador. Mas vá fazer alguma coisa por você e esqueça os que nem se lembram.
Marcos Ferreira Silva

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Na história

São Paulo, 26 de junho de 1945.
Genaro, meu bem.
Estou a escrever-lhe essas linhas afim de alertai-vos contra o mal automotivo. Nessa manhã fiquei 40 minutos a esperar o cocheiro público, sob as tribulações climáticas. Doravante erguerei meu brado pela volta dos equinos. 
Espere-me para ir à confeitaria, hei de contar-lhe as novidades. 
Com amor, Olga.
Retirado do Facebook de Verônica Oliveira

quinta-feira, 13 de junho de 2013

E vamos aos fatos...

Não sei ao certo como se sucederam os protestos na avenida Paulista na última terça-feira, mas é fato que a polícia (dedução óbvia pelo seu rico histórico) não agiu de forma 100% pacífica. Os manifestantes fizeram boa parte do protesto sem nenhum ato violento, até ser encurralado pela polícia e começar a pancadaria.
Pergunto: 
O governo parou para rever o seu plano? Não. Apenas os chamou para ouvir um comunicado, a fim de apaziguar os ânimos e dizer que não, eles não vão mudar o preço da passagem.
Posição oficial do governo do Estado e da prefeitura da capital alega que precisaria investir alguns milhões para manter o transporte, e como nossos administradores têm de se preocupar com outras pastas como saúde e educação, a única opção foi aumentar a tarifa.
Olha, eu sou corintiano, com muito orgulho, mas convenhamos, para investir milhões em estádios privados de futebol o nosso nobre governo tem, mas para evitar que tenhamos a tarifa mais alta do país por um dos piores meios de transportes não tem. Lamentável.
Agora, assistimos a Globo cravando os manifestantes como simples vândalos. NINGUÉM fala da causa, dos motivos mais que justificáveis para um protesto.
Daí eu vejo uma coisa lamentável; um motorista atropelando os manifestantes para impor seu direito de ir e vir. Ato no mínimo não humano, ridículo, pelas mãos de um babaca que não pensa no caos que vive e não possui nenhuma característica dos homo sapiens.
Odeio vandalismo, mas odeio também a falta de bom senso e inteligência.
Mas não é só isso.
Hoje, 13 de junho, São Paulo acorda no caos do transporte público em greve. Pessoas que não chegaram ao trabalho e passaram humilhação em trens entupidos mais ainda que o normal (se isso é possível).
Pessoas perdem emprego... se sujeitam a perder parte da dignidade no transporte. Gasta horas do dia em congestionamentos ou em trens lotados como sardinhas em lata, além dos atrasos por falhas que se repetem dia a dia.
Isso a Globo acha normal. Não é Bocardi?
Acho que essa deve ser a Ditabranda que a Folha falou.
Vergonha!

Marcos Ferreira Silva

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Café na mesa

Dia frio. Neblina. Superei o congestionamento da manhã. Dor no estômago. Teimosia. Café na mesa. A vida silenciosa. Paro um instante a nota que escrevia para um site e penso no conteúdo do meu site de jornalismo musical... vida de assessor de imprensa e jornalista... Logo em seguida as lembranças do meu projeto musical veem a mente. Doses de MPB e parcerias inusitadas. Ansiedade. Um e-mail. Minha namorada relata o início do dia. Estômago arde. Rock no rádio. Um novo e-mail. A vocalista da minha banda animada. Quer fazer show em dia de semana. Abro um sorriso. Esperança de dar certo. Sonho número 1. Novamente sou acometido por outra sensação. O enredo do livro. O que escrever hoje? Ainda não sei. Deixa a inspiração brotar. Comunico meus colegas de banda da importância do e-mail. Além do estômago, a cabeça também dói. A namorada também não muito bem. O sócio do novo projeto ressalta a meta de colocar a agência na ativa. Sem fome, com ânsia. Parece muita coisa para uma pessoa só. Conto as horas para o fim do primeiro expediente. 5 horas de trabalho muito invejadas por quem faz 9 horas. Dores. Ainda é terça-feira. Vejo uma foto e me alegro de novo. Meu pai e meu sobrinho. 1 ano e dois dias depois da alta hospitalar do patriarca. Dias difíceis. Realmente, tudo passa. Reclamar? Acho melhor não. Sorrio mais uma vez. Oh não, a dor lateja.
Marcos Ferreira Silva

sexta-feira, 24 de maio de 2013

E o ser humano se perdeu

Infelizmente sim. É isso mesmo, o ser humano está perdendo a essência do que é ser humano, se é que já não perdeu. Impressiona o fato de, em meio às fábulas do dom de viver, criando e recriando obras, motores, artes, estudos, a nossa espécie ainda não aprendeu o que é ser realmente gente.
O Google me disse, após uma veloz e eficaz busca, que “Humano é uma palavra com origem no latim humanus e designa o que é relativo ao Homem como espécie. O ser humano distingue-se dos outros animais por agir com racionalidade. Possui grande capacidade mental e habilidade para desenvolver utensílios e adquirir conhecimento”.
Capacidade mental... não é o que consigo perceber nas tantas vezes que presencio barbáries de todo o tipo. Hoje, ao ligar a TV, sou acometido por uma sensação de incompreensão. O noticiário falava de uma briga de vizinhos em um condomínio de luxo na grande São Paulo. O motivo: barulho.
O vizinho - ensandecido, empresário, sessentão, rico, cheio de bens e margarina Doriana na mesa - reclama, invade o apartamento do “baderneiro” - que também é pai de família, dono de carro bom, emprego em multinacional, quarentão, boa pinta - e dispara com seu Calibre 38.
A mulher do barulhento - que por sua vez é uma bem sucedida dentista, tem consultório de fazer inveja, bonita, dinheiro na conta, e que contava as horas para o seu próprio aniversário de 38 anos, mãe de uma criança pequena (guti guti da escolinha) - também é atingida e sucumbe defendendo a cria.
Inerte na psicose, o sessentão e empresário volta para o seu lar e encontra a sua senhora - ela que ainda tinha planos de uma vida que parecia ter muito a render de bom - e diz: “Vou resolver o problema”. Ele, na ‘maturidade’ de suas seis décadas de vida, se enfia no elevador estoura os cornos com o mesmo Calibre 38, impedindo de virar um ano de vida com filhos e netos.
A imprensa em êxtase corre para o local. Hoje é o dia. Crime branco. Gente rica morta. Manchete garantida, destaque na TV, capa de jornal e milhões de acessos na internet.
O jornal local chega à cena do crime primeiro. A repórter colhe o depoimento do tenente da polícia e descreve em seu bloquinho de papel - um brinde de uma empresa qualquer, em uma coletiva de imprensa qualquer: “A criança estava debruçada em cima da mãe. Foi uma cena chocante, uma tragédia que aconteceu no Tamboré”.
À base de pão e água, assistindo ao circo armado, as pessoas que vivem suas vidas acomodadas em trabalhos repugnantes e cheio de conspirações e invejas, comentam o fato. Mais um assunto para ocupar a roda de café na copa. Sem lágrimas no olho, discutem e esbravejam sobre o tema: “Cara louco”, “Sem noção”, “Trouxa, se matou depois”.
Alguém solta um risinho com a história. Fim de papo. Todos voltam às suas mesas. É sexta-feira. Depois das seis da tarde tem Happy Hour... 
Marcos Ferreira Silva

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Hoje é isso

O bom ser humano tem um defeito, um defeito grave e que pode render coisas horríveis, destruir sonhos, ideias. Esse defeito é detentor do poder de matar e morrer. Ele é capaz de acabar com tudo, de te por de lado e rente à parede em um choro comprido e sucumbido pela própria culpa. Esse defeito, original de fábrica, chama-se confiar no outro.
Maldito. Eu te chamo de maldito. Maldito o homem que confia em outro homem. Pobre idiota, sem malícias e que achava que podia confiar. Maldito homem que preza o diálogo e pensa que palavras e entendimentos trazem resultados.
Acha isso? Morreras afogado na bondade do teu peito. Sua dignidade cai por terra. Suas lágrimas, essas você pode derramar em silêncio, pois não ter vergonha delas é a vergonha mais humilhante que podes admitir ter.
O que? Você não concorda comigo? Tudo bem, te admirarão quando fala, mas vão te zombar e humilhar quando você se mostrar frágil. Aceite de uma vez por toda que o ser humano é um verme podre e aproveitador, que espera sua fraqueza para se montar em ti e destruir o pouco que tem.
E as exceções? Podem até existir, mas acredite que a maioria delas é como um oásis no deserto, que você jura enxergar e, em meio ao diluvio de honestidade, acredita que pode até tocar um dia. Que pode confiar.
Engana-se. Seu amigo não é seu amigo. Nunca será. Você nasce sozinho e morre sozinho. Uma triste solidão urbana. Envolta do sagrado mal que de ti não se separa.
Vai confiar no amigo, no médico, no patrão, no advogado, padre e pastor. Deles terá o peito apunhalado e sangrara até a crônica hemorragia te vencer.
É meu caro... maldito... Maldito és tu que confiou...
Marcos Ferreira Silva

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Verdade sobre qualquer amor

Não sou adepto do copiar e colar, mas esse texto me chamou a atenção e gostaria de compartilhar. Uma breve reflexão...
“A despeito do que poderiam os desavisados pensarem, amor e cansaço não são incompatíveis. As pessoas cansam de amar, cansam mesmo. Cansam de amar no vácuo, no vazio, a contragosto, na marra, na mão única, com esforço, no amor à camiseta, cansam de amar quando amar é uma luta inglória, é uma sede saciada a conta-gotas. As pessoas cansam de nos amar apesar de nos amarem muito, as pessoas cansam de nos amar quando o amor é à custa de teimosias, defeitos, desaforos, desatenções, estupidezes, falhas de caráter, falta de tempo, descuidos, TPM, stress, chatice, drama, descaso, reclamações, egoísmo, omissões, negligências, filhadaputices, prioridades outras, grosserias, inaptidões, incapacidades, má administração, indiferença, cronograma insano, sacanagens, ingratidões, desídia, pouco caso, desconsideração, intolerância. O amor suporta muito e não espera um escambo de atenção e sentimento, mas o amor tem ida e vinda, tem mão dupla, tem uma razão outra que não é puro altruísmo e desapego. Não pense que quanto mais o outro suporta, quanto mais o outro luta, maior é o seu amor. Isso é uma sabotagem imbecil de quem não se sente merecedor ou capaz de retribuir. Pai dedicado cansa. Filho devoto cansa. Irmão parceiro cansa. Amigo de fé cansa. Até o grande amor cansa. […] Portanto, não ponha o amor à prova. Não se proponha a testar até onde ele suporta. Amor não é gincana, não é rali, não é prova de resistência. Amor é pra amar e cuidar muito bem. Já chega o fato de que tem todo o resto do mundo para criar problema, para dar trabalho, para dificultar as coisas. Lute por e não contra.”
Por Patricia Antoniete

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ficção

“A melhor ficção é a realidade”, acho que ouvi isso da boca da Maitê Proença, a eterna musa ninfa de Dona Beija. E dou toda razão a ela. Olhar à nossa volta e fazer um Raio-X de nós mesmos é a prova de que nenhum filme, peça, novela ou livro pode se equiparar aos fatos reunidos ao longo das nossas vidas.
Continuando as citações, Belchior escreveu versos que ficaram eternizados na voz de Elis Regina, um dos meus preferidos diz que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Fato.
As pessoas criam seus enlaces afetivos, coisas que surgem no momento do seu nascimento... na verdade desde a sua concepção, ou até mesmo bem antes dela.
“Em uma noite, depois de um show do Led Zeppelin, vocês saíram e eu fui o resultado.” Essa frase está no filme "A Rocha”, de 1996. A cena, protagonizada por Sean Connery, o lendário 007 de outros tempos, se passa com sua filha, questionando a ausência do pai por conta da cadeia. Ela continua o diálogo lembrando o estopim para a crise de relação familiar: “Até que um dia seis policiais federais arrombaram a porta de casa e te arrastaram para a prisão”.
Algumas pessoas têm histórias parecidas com essa. Outras viveram dramas a altura das Helenas de Manoel Carlos. As doenças, as questões impostas pela vida, o erro, a tentativa do reparo ou da absolvição que parece jamais chegar.
Todas as vezes que circulo pelas estações de metrô de São Paulo me edivto com a quantidade absurda de pessoas que vem e vão, para cima e para baixo às 06h, 07h da manhã. Cada uma para o seu trabalho, estudo, consulta médica, reunião, visita a parentes e amigos.
Durante o decorrer do dia é fascinante observar o espetáculo da rotina. Os cafés e os papos fora de hora, a mãe preparando o almoço, os parques quase vazios, mas nunca desertos. As crianças e os desenhos ao longo do dia, a programação de TV à tarde.
No meio de tudo isso estão os sentimentos, cada uma dessas pessoas ao redor do mundo tem a sua própria história para contar. Não há ninguém dentro do alcance dos raios solares que não possa te relatar pelo menos um ponto que não seja no mínimo muito interessante.
Há aqueles que sofrem por amor, que viram a pessoa que alimenta seus sonhos partir para longe, outras vezes para o infinito. Há o relato da traição, da medida precipitada, o crime do adultério, a entrega dos corpos e da alma para quem não deveria.
As famílias contam suas perdas, as reformas de casa, os papos engraçados, os imprevistos nas viagens, as piadas que arrancam risos sem prazo de validade, as brigas.
A vida e o trabalho, as disputas de poder, a admiração, a inveja, os objetivos e principalmente o caminho a se seguir.
Todos os dias os noticiários mostram de forma fria uma minúscula fatia do que acontece por aí, mas a imensidão dos fatos é muito maior.
Tenho um carinho grande por biografias e documentários, neles as verdades e histórias mais incríveis são desvendados, mas eu pagaria uma nota para saber um pouco da vida da pessoa ao lado, não por fofoca, mas para poder mergulhar nessa finitude de vida que quase ninguém conhece.
Marcos Ferreira Silva

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Com o tempo a gente aprende...

Aprendemos tanta coisa ao longo do tempo. Coisas que vem e que vão. Sentimentos que nascem e morrem, outros que crescem e se reproduzem.
Com o tempo a gente aprende que as pessoas nunca serão do modo que gostaríamos que fossem, e que temos o karma de nos atrair pelos caminhos mais difíceis e perigosos.
Também descobrimos que desdenhar dos sonhos, além de maldade é também um erro irreparável. Sonhos foram feitos para serem vividos intensamente.
O passar dos anos nos acometem de forma injusta muitas vezes, mas o largo tempo ensina que tem de ser assim... e será sempre assim.
As décadas ensinam que dores físicas doem menos que as emocionais. E que a vida não se perde em nosso último suspiro humano, mas com ações que podem subverter o que somos.
Aprendemos que carros de luxo ficam velhos, que boa parte deles vira ferrugem em bolsões do governo ou sucumbem a olhos nus, como peças sem valor ou prestígio.  
Descobrimos que a saúde nos perturba muito mais que os bolsos vazios de dinheiro. Que o que nos toma de assalto é a saudade do que não podemos reter.
Com o tempo a gente descobre que cantar em tom razoável pelas ruas não é sinônimo de termos enlouquecido, mas que estamos libertando as alegrias ou frustrações presas no peito.
Aprendemos que a nossa alma é ligada com quem nunca imaginamos.
Sabemos também, com o tempo, que palavras têm poderes mágicos e que nosso poder sobre a vida não domina um milésimo dela.
Concluímos que bons companheiros são os livros e as canções, que nos permitem mergulhar sem se preocupar com a profundeza.
Que planos se perdem. Que vidas se acabam. Que paixões se esfarelam. Que lágrimas continuam a cair.
Hoje sabemos que o sorriso deve ter mais valor que o pranto, mas que é do sumo dos olhos que sabemos quem somos.
Entendemos que a oração é maior que o templo.
E que o verdadeiro companheiro vai estar lá até quando lhe for permitido.
Aprendemos que o amor não se mede em fórmulas matemáticas e que o certo nós nunca realmente saberemos.
A gente aprende que ainda tem tanto para aprender e que é esse o caminho... E que o tempo corre.
Marcos Ferreira Silva

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A sociedade de alguns poetas vivos

Gritem, então!
Um dia feliz é padecer no paraíso. Outro difícil é morrer um pouco no fim do mundo, cortar os pulsos em pensamento.
Viver, sim. Viver de verdade. Correr o risco. À flor da pele. Amar com a intensidade de uma avalanche, de um declínio de sorrisos.
É ter os sentimentos rentes à carne. Dolorido, mas intenso.
Acordar todo dia para fazer valer, não apenas vagar pelo espaço sem propósito.
É curtir a brisa da noite, com os cabelos dançando ao sabor doce do vento. Gostar das gotas de chuva batendo na pele arrepiada... é amar sentir a água escorrendo pela camada do corpo. Poros bebendo o mar do céu.
É não se acostumar com o que lhe faz mal. Mas é se render às dificuldades de lutar. É não querer desistir e acreditar em chegar do outro lado desse rio.
Simplesmente ter o sorriso guardado para a hora certa.
É dançar, cantar... ler o mesmo poema pela enésima vez o amando mais que na primeira.
É saber que busca no outro a felicidade que só está dentro de si.
É lutar...
Lutar, lutar e lutar.
É odiar a hipocrisia e fazer do papel seu refúgio... das palavras seu abrigo seguro.
Crer em talvez um dia virar a mesa, inverter o jogo.
É brincar com o tempo que é maldoso com os que amam viver para fazer sentido.

Marcos Ferreira Silva

sábado, 2 de março de 2013

Eu quero o meu problema só meu!



Algumas vezes nos enxergamos imersos em problemas de gêneros, números e graus que desconhecemos como surgiu e aonde vai dar.
Com o passar dos anos, tenho me convencido de que grande parte dos nossos problemas é formada por coisas que não deveriam sequer povoar nossa mente. Melhor dizendo, criamos mais problemas do que o que realmente temos.
Não sou psicanalista, talvez tenha um lado freudiano de boteco, mas não passa disso. No entanto, quando com a cabeça fria paramos para analisar nossas turbulências, percebemos que o avião não se mexeu em nenhum momento. Na verdade, pela janela das reflexões, notamos que a pobre aeronave nem mesmo alçou vôo.
Quantas vezes aquele assunto medíocre e sem nexo rende brigas em família, afastamento de irmãos, ressentimento entre amigos, calúnia entre colegas e divórcio para casais - que até a última primavera trocavam juras de amor eterno.
O problema do problema inexistente é forçá-lo a existir. Dar-lhe corpo, alma e coração partido, sendo que o melhor a se fazer é enxotá-lo porta a fora.
Vejo pessoas brigando por causa de perfis esquecidos de gente desconhecida na internet; pelo macarrão mal cozido, pelo descuido no trânsito; pelo tom de voz mal interpretado.
Certas horas, a melhor coisa a fazer é segurar a onda da situação para que ele não vire um tsunami fora de hora.
Penso assim porque sempre vamos ter problemas de verdade, coisas que nós, querendo ou não, vamos ter de digerir e sofrer sem escapatória. Quantas doenças, perdas, maldades, necessidades reais.
Problemas estão de montes por aí, então para que criar mais um? Sinceramente eu não sei.
Mas isso não é problema meu. Ou é? Não sei.

Marcos Ferreira Silva