Passa o vento que soprou,
O amor que murchou
A decepção que seu coração quebrou...
Um dia tudo muda,
Muda de endereço,
Muda de preço
E ai você me pergunta, mas pra onde foi aquele que você era? Pra onde foram seus sonhos?
E eu te respondo, foram procurar felicidade, felicidade de verdade, porque de mentiras a terra esta coberta de ponta a ponta."
Eu não tenho ideia de quem seja esses versos (posso estar cometendo uma gafe sem tamanho, mas realmente não sei), mas é inegável o real poder dessas palavras.
Nós passamos boa parte da vida derramando lágrimas por milhões de motivos; por amores, por decepções de diversas formas, por ex-amigos, antigos formatos de vida, por perdas.
Realmente, a vida não é um mar de rosas. Nem tudo o que vivemos é motivo de alegria e risos, mas daí ficar chorando nos cantos é outra coisa. Nem todas as nossas ações são admiráveis, principalmente para a sociedade julgadora que não tem ideia do peso que você carrega nas costas. Só você sabe quantos quilos tem o seu tormento.
Até bem pouco tempo achava que uma das coisas mais duras no mundo era o rompimento. Verbo romper no dicionário é descrito como “dividir, partir, separar com violência; despedaçar, dilacerar, quebrar: Romper grades, paredes. Romper as malhas da intriga. "Romper-se o mar nos rochedos”.
Essa explicação dói só de ler, mas na vida aprendemos que deixar romper algumas coisas pode ser um exercício saudável para se seguir em frente.
Fiquei pensando na velha expressão “romper correntes”. Lembrei de imediato do herói não convencional Quasimodo, conhecido popularmente como O Corcunda de Notre-Dame. A história do personagem de Victor Hugo foi diversas vezes adaptada ao cinema. Para mim, a mais clássica dessas interpretações do romance francês foi feita pela Disney em 1996.
Uma cena que ficou marcada em minha mente é quando o Quasi (nome carinhoso dito no filme que eu acabo de me apropriar) fora acorrentado por seu padrinho maléfico. Do alto da catedral ele assiste ao brutal espetáculo da preparação da morte de sua amada Esmeralda, uma cigana que ignorou o amor doentio do mau caráter e por isso é condenada às chamas pela (cavada) acusação de bruxaria.
Vendo aquela devastação, seus amigos gárgulas (imaginários personagens de pedra) o incentivam a largar aquelas amarras. Sair dali, quebrar as correntes. Mas Quasi nada faz. Uma das gárgulas se volta para ele e diz: “Nós somos feitos de pedra. Achei que você fosse feito de algo melhor”.
Quasi então decide desafiar seu destino de perdedor. Se revolta contra seu ídolo podre (o padrinho), esquece o povo que sempre zombou de sua aparência e resolve tentar salvar Esmeralda. Quebra, literalmente, as correntes e vai. O ato lhe rende respeito e uma vida inteiramente nova.
A cena que ficou no meu imaginário desde a infância, hoje ajuda a entender como esse ato de romper as correntes é importante. Certas vezes deixar coisas para trás, pessoas, vidas que mudam, é quebrar correntes. Desapegar daquilo que um dia lhe aprisionou, mas que no costume você achou que era uma forma de felicidade – talvez a única que os seus olhos podiam ver. Quando estamos aprisionados, quando não sabemos o que tem do outro lado, terminamos por acreditar que aquela desgraçada vida é tudo que nos resta.
A dor do romper é latejante, quase sufoca. Muitas vezes essa agonia nos dá o entender que erramos, radicalizamos. Bate o medo e a saudade. Aquela vontade imensa de voltar no tempo e tentar de novo, até que um dia, resistindo às tentações de reviver o próprio mundo que fadou ao fracasso e hoje finalmente é morto, é lápide, acorda e entende que além daquela linha tênue entre as lágrimas de medo e a realidade existe vida.
O processo do fim é tremendamente desgastante, mas daí eu roubo a explicação do poeta Ferreira Goulart: “E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade”.
Nada rompe se for bom. As correntes só estouram ao meio se lhe forem empregada muita força ou, simplesmente, estiverem enferrujadas, enfraquecidas... podres. Para essa, o melhor destino é o lixo. E adeus.
Marcos Ferreira Silva