quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O presente

O homem levantou cedo naquele dia. Corpo cansado e dolorido. Olhou pela janela. Amanhecera há pouco. Tempo escuro e frio. Uma série de incontáveis gotas se desprendia das nuvens tristes e aliviava o peso de quem estava tão carregada. Sorriu para o dia mesmo assim. 
Tinha um presente único e poderoso que o alegrava e o dava ânimo para seguir. Levantou da cama com o toque chato das mensagens apitando no celular. Respirava fundo. Droga. O tempo complicava tudo. Ah, seria bom estar dormindo. Lembrou do presente. Pôs-se a sorrir pelo canto dos lábios mais uma vez. Nada o impediria.
Mas o que o atinava era o tal presente. Não precisava de pacote, laços ou qualquer enfeite de embrulho para ser especial. Conhecia bem o que tanto o fazia amar. O que tanto lhe agradava. Sabia qual era a razão de tudo e porque dali emanava tanta força.
O sujeito tinha claro em mente o seu objetivo. Sonhou acordado. Ansiava para renovar o presente. Fitou o relógio quase obcecadamente: 8h50. Era a primeira melhor hora do dia. Pegou o telefone e ouviu uma voz ofegante do outro lado da linha. Podia fechar os olhos e imaginar a dona daquele sussurro, às vezes triste, outras vezes alegre, correndo apressada pelas ruas que ele conhecia bem. O presente estava bem. Começava o torcer pelas demais vezes que ia escutar aquele tom doce.
Assim se sucediam os acontecimentos e cada minuto de cada data no calendário. Era dessa maneira até o melhor momento da semana. A oportunidade de ter o presente perto. De encostar-se naquela graça e confirmar que tinha todo o motivo para verdadeiramente acreditar. Seguro ao se fixar em seus olhos vivos e grandes. Aqueles olhos... 
Sabia que faria o que fosse para por naquela mão a aliança certa, dourada. Entendia por A mais B que de uma vez por todas encontrou o seu refúgio e com essa dádiva iria até o fim. Não importavam os planos, o que valia era o caminho que se seguia e onde o presente que Deus o deu iria ser guardado e protegido.
Esse presente tem nome... Sabrina!
Marcos Ferreira Silva

domingo, 26 de abril de 2015

Vá, mas volte logo

“E quando eu for embora não... não chores por mim”...

Aprendi com as canções da Legião Urbana que sentimentos não deveriam ficar guardados, enterrados no peito para uma alegria ou sofrimento solitário. Sempre expus o que me alegrava ou maltratava meu coração.

O tempo e o medo me fez perder aquilo que eu mais prezava; transformar fosse lá que fosse em arte. A tristeza passou a bater em minha porta, receber licença para entrar e jamais sair. Perdi o dom de materializá-la, de metamorfoseá-la, de lhe dar a chance de ser algo maior e melhor.

A evolução do pranto morria e consigo parte de mim. Recluso num universo de paredes negras, a poesia sumia. Sucumbia em meio ao nada. De que valia então sofrer? Ninguém sofre por razões de interesse, mas, se a dor não é opcional, faça dela algo útil.

É como arroz velho na geladeira. Aquele qual o gosto já não é mais o mesmo e seu desejo é jogá-lo fora, despejar com panela e tudo no lixo, mas a lembrança da fome e o mínimo de bom senso o impede de fazer aquilo.

Perdido, sem saber o que fazer com pelo menos um quilo do cereal mais popular do planeta, você começa a procurar outros elementos esquecidos no refrigerador, junta um pouco de temperos novos, refoga tudo, talvez até crie um molho especial e “voilà”, há um prato saboroso sobre a mesa.

Meu pai foi chefe de cozinha por muitos anos e me ensinou que nada deve ser jogado fora, tudo pode ser aproveitado. E qual o motivo de não fazermos isso por nós? Às vezes o que nos machuca é o que nos falta para libertar de algo, basta olhar com uma ótica diferente.

Em inúmeras vezes me vi, ao menos em pensamentos tortos, em cima da ponte, pronto para me atirar, entregue aos anjos dispostos a me levar para as baixas temperaturas, quase européias, lá do alto do céu, ou para as profundezas quentes, meio cariocas, do inferno.

Quem me deu a mão e me salvou foi a bosta da luz vermelha que tornou a ficar verde na hora “H”, anunciando que eu deveria voltar. Em tantas vezes as lágrimas foram mais fortes que a própria sanidade. Vendo o mórbido filme ter um final feliz, ao menos naquele momento, eu jamais me propus explicar aos mortais como o piscante pontinho de luz funcionava e nem porque raios era melhor não acioná-lo.

Perdido no pranto agônico, o melhor é olhar para frente. Pode chamar essas linhas mal escritas de auto-ajuda de quinta. Sim, é auto-ajuda. A ajuda que me permitiu estar vivo e navegando no oceano sem sentido de Jorge Amado... as letras.

Se você quer morrer por alguns instantes, eu não vou te impedir, mas tome cuidado. Apague a mente, mas não fique perto da ponte, nem de carros ou parapeitos. Se afaste o máximo possível de facas e armas de fogo. Morra apenas para o mundo e os problemas. Até se isole, mas não demore em pedir um sorriso novamente. Vá, mas volte logo.



Marcos Ferreira Silva

sexta-feira, 24 de abril de 2015

A menina dos olhos inquietos


Para Sabrina Cruz

Apertei os olhos de dor. O suor impregnado nas roupas pouco importava quando Elis Regina entoava “Casa no Campo”. Ah, eu também queria compor muitos rocks rurais, ter poucas certezas e um filho de “cuca” legal.

Enquanto eu viajava, ela coçava o buço com a calma de uma senhora lendo o jornal pela manhã em pleno anos 40, mas é apenas uma menina sapeca capaz de ser mais mulher que quase todas que cruzarem seu caminho. Na verdade seus olhos, lindos olhos, corriam pelas páginas de um catálogo de perfumes. Experimentava cada fragrância escondida, sei lá como, pelas folhas de papel couchê.

O que me encantava de verdade neste momento era sua serenidade. A calma de um espírito que ama, que em minutos sabe que está segura em meio à tempestades e sacode docilmente a perna ao som de George Harrison – ela não é igual a você, ela não precisa ter um beatle preferido. É ela que sonha e que ao mesmo tempo não está nem aí. Quer viver! Não quer que ninguém lhe diga o que fazer, mas deseja uma direção.

O caminho é seu coração quem aponta. Não precisa de um livro ou manual para dizer. Tem fé e ritos não fazem seu estilo. Suas pálpebras se encontram e ela tem a total noção de que alguém está ouvindo, seja para pedir ou agradecer.

Seus cabelos, lisos ou encaracolados, são belos. A convicção disso ela já tem, mas finge modéstia. É linda e sabes disso. Conhece o futuro, mas tem medo mesmo é do presente. No dia seguinte, como a moça da música, vai acordar cedo para garantir aquilo que tanto perseverou. Sua vida não é conto de fadas, mas a menina, de olhos grandes e ávidos, sabe que sem sonho nada faz sentido.

Mas seus desejos e planos secretos são baseados na realidade que já garantiu. Serás feliz, imersa entre seus bonecos de pelúcia. Não importa quantos anos terá, será eternamente uma garota que precisa de carinho e cuidado.

É frágil como uma rosa, que com ventos fortes pode se despedaçar, mas é mais capaz que você de guerrear pelo que quer. Quando seu coração se entristece, seus olhos jamais recusam as lágrimas. Não teme o choro, nem o pranto agônico, pois sabe ser sincera consigo.

Não age com falsidade com os outros, muito menos com o que carrega em sentimentos e caráter. Mas o líquido salgado que escorre de seus olhos só são visíveis na intimidade, no escuro do quarto, nunca para plateias carniceiras.

Com a mesma intensidade, gargalha e sorri, ironiza e te atinge como uma flecha. Quando cai, ressurge como uma ave milenar por entre as chamas que não tocam sua pele branca e macia. Ela pode rir de você te amando infinitamente.

A menina de olhos inquietos conquista corações... e conquistou o meu...



Marcos Ferreira da Silva