sábado, 26 de fevereiro de 2011

Em um minuto

Na última vez em que se viram... bem, acho que eles não se lembram da última vez em que se viram. Provavelmente devem ter pensado que iriam se ver de novo na semana seguinte. Mas não se viram.
Então, quando nem imaginava, ao descer do ônibus que rotineiramente o levava em seu percurso, esbarrou nela. Foi uma surpresa de verdade. Parou para observá-la um instante. De uma ponta a outra do cabelo trançado. Aquilo não tinha mudado. Nem as tranças, que ela enrolava cuidadosamente com o dedo indicador, nem ele, que continuava gostando de observá-la de longe.
Notou, sem maiores pretensões, que estava mais encorpada. Coisa que reparou, pois a moça que roubava sua atenção era muito lembrada por seu corpo esbelto. As graciosas curvas, não desenhadas antes, eram naturalmente encantadoras. Linda como sempre, mas agora com um ar mais sério no rosto. A garota hoje é uma mulher. Daquelas que impunham respeito sem dizer sequer uma palavra.
Contudo, ela não tinha ganhado em tamanho, continuava com sua baixa estatura, adjetivo que sempre aumentou seu poderio de enfeitiçar os garotos. Ainda causando um misto de sentimentos sobre quem era aquela menina, ela abraçava o seu caderno e olhava o horizonte pensando. Dava entender que viajava no seu presente, passado e futuro. Algo particular demais para alguém ousar descobrir.
Talvez, em sua mente tocava-se uma canção do Stereophonics, ou não. Enquanto ele, bobo, fazia toda sua análise sem perceber que tudo não passava de uma fração de segundo. Num impulso, movido por uma inocente felicidade, ele diz:
– Oi! Quanto tempo!
Ela responde com a mesma expressão que ele usou, mas completa com o seu típico e particular:
– Pois é, né!
Vasculha os dedos dela à procura do que todos sabiam que tinha sido aderido.  Ele acha e se surpreende, mesmo sabendo que aquilo era um fato consumado.
– Casou, não é?
– Né!
A conversa não era uma conversa sem sal, como parece até aqui. Talvez faltassem palavras para serem usadas naquele instante. Os dicionários ficam muito defasados nessas horas.
Além de tudo, ele se martelava em silêncio enquanto sorria. Lembrava não da última vez em que se viram, mas um pouco antes daquele discreto hiato. Daquela falta que ninguém ousava dizer que sentia, nem mesmo se permitia pensar muito. Era fato um pouco ignorado.
Mas, naquele momento, ele lembrava dela com uma de blusa listrada, grossa para proteger-se do frio. Também lhe veio em mente uma imagem de si próprio, com uma jaqueta marrom sobre a típica camiseta preta.
Pouco depois de posar para uma foto, ela hesitava em dizer algo naquela noite. Parecia que esperava ser beijada. Ela sempre esperava aquilo. Ele, por sua vez, não conseguia ser o sujeito que iria saciar o seu desejo. Ele vivia com um defeito grave que impedia de se preocupar com aquilo. De se permitir arriscar a encontrar os seus lábios. Era outra coisa. Ele sempre tinha outra na cabeça.
Mas agora, anos depois, ele se martirizava por lembrar de uma frase da linda garota de cabelos cacheados. Ela tinha dito, e disse que só diria para ele, porque não queriam que dissessem dela para os outros, então disse num sussurro o que ele não esqueceu que ela disse:
– Não quero voltar para ele. Sempre volto, eu sei. Mas eu não o amo...
Ele não esqueceu.
Quando ele resolveu pensar novamente em se verem, pegar um telefone, mudar o cenário, conhecer seus lábios... ela o interrompe:
– Tenho que ir... Tchau...
E correu para a garupa de uma moto e abraçou o homem que ela sabia que não amava.
O sujeito que não olhou para o lado deve ter lembrado dele. Muito provável o indivíduo deve ter murmurado alguma coisa quando chegaram em casa.
Já o rapaz tratou de recuar e ir atrás do ônibus que o ajudaria a terminar o percurso até sua casa, torcendo para que o tal marido da linda menina nada dissesse do incidente casual. Que apenas a amasse, porque era tudo o que ela merecia. Uma pena que ela só achasse esse sentimento nos braços de quem não queria...
Fazia muito tempo que eles não se viam. Anos, de verdade. Isso parece um pouco estranho porque depois de um tempo ele perdeu alguns contatos, e esqueceu de quem achava que não esqueceria. Mas era um pouco tarde...

Marcos Ferreira Silva

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sonhos de uma sexta


Ainda não passava das sete da manhã e o calor já demonstrava seu poderio, porém, graças ao sol ainda parcialmente ausente, uma leve brisa fresca confortava as primeiras horas daquela sexta-feira.
A noite anterior tinha sido de ventos fortes, arrancando o caule de algumas árvores e assustando moradores perto de barrancos. Apenas sustos. O vento não era premonição de uma forte chuva. As negras nuvens de São Pedro não choraram por sobre os prédios da cidade. O vento apenas desarticulou o insuportável calor de 32,1 graus centígrados e fez a cidade triste e suada dormir em paz.
Agora, parado no trânsito, percebo algo interessante. Um carro passa e atrás, logo acima do nome do modelo do veículo, um adesivo. Um adesivo com um desenho. O desenho de uma família. Vovó, papai, mamãe e três crianças em escadinha. A menor era uma garota ao lado de dois rapazotes. Formato infantil e ‘familiar’ para quem olhasse. Ou não.
Pouco depois vejo um outro veículo com um adesivo similar posicionado no mesmo lugar que o do carro anterior. Este era um pouco diferente. Tinha apenas pai, mãe e uma criança. Sorrisos largos animadores.
Notei que havia um certo padrão no esquema dos desenhos ao ver o terceiro, mas apenas na ideia. Eram personificados. O que contemplava agora tinha o formato “South Park”, mas era de natureza extremamente ingênua.
Famílias. Muitos não sabem o que é isso, outros ignoram a que tem. Fazem gato e sapato e chama tudo isso de babaquice.
Esperava que não, mas talvez para alguns deles aquele adesivo era só um adesivo. Nem se lembravam que tinham o posto ali.
O trânsito engasgava na ponte. Pouco andava. Parei pra pensar: o que cada um em seus carros poderia estar pensando naquele instante. Alguns deviam sussurrar nomes em sua mente, pedindo em seu íntimo que estivesse bem longe dali, que já fosse seis da tarde. Alguns queriam largar tudo, chamar os ventos, expulsar o calor e se acalmar num inóspito copo de cerveja. Sonhavam com a embriaguês. Outros queriam amar. De corpo, alguns de alma, e bem pouco de coração. Alguns, igual a mim, só queriam paz... Queriam família.

Marcos Ferreira Silva