segunda-feira, 14 de maio de 2012

Uma noite no hospital

Escrevo este cansado texto à bordo de uma indigesta cadeira de ferro com um estofado que imita um couro, mas que se dissipou há muitos anos. Estou no tradicional hospital Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na Santa Cecília, parte badalada do centro velho.
A região é a verdadeira encruzilhada entre a riqueza de jovens médicos bebendo noite à dentro e prédios da linda Higienópolis que contrastam com os refugiados da Cracolândia, pobres viciados que foram expulsos de seu habitat como ratos, sendo obrigados a se acomodarem nos bairros vizinhos, nas portas de padarias ou nas escadarias da igreja.
Enquanto a noite de sexta-feira rola lá fora, papai está a se remexer sobre a desconfortável cama do leito 201. Uma sonda, um aparelho para colher líquidos das narinas, uma máscara de oxigênio, um tubo no abdome e um corte de dois palmos e meio na barriga.
Depois de uma cirurgia de hérnia, uma hemorragia e uma úlcera desconhecida, o homem forte repousa sem conforto algum, sem o direito de comer ou beber, apenas com um líquido estranho que cai na veia de minuto em minuto. A enfermeira disse que não é soro, mas para mim é, pois faz as vezes da aguinha com açúcar que engorda as mãos.
O nosso homem de ferro alagoano não se rendeu à guerra. Com a ajuda de Deus, de todo o exército celestial e de bons médicos e enfermeiros, o ‘velho’ saiu da UTI e ganhou o seu indulto.
Opa! Paro de reclamar um pouco. Me trouxeram uma cadeira estofada e que inclina (coisa fina). Agora escrevo sentado sobre uma cadeira bege de estofado ainda vivo.
Um dos pacientes que divide o quarto se enrola com uma banco. É quase uma da manhã e ele bate ferro com ferro, tentando se movimentar com os tubos presos ao braço. Outro, de pescoço furado por causa de uma tireóide, não fala e parece dormir, esfregando o rosto cansado e maltratado.
O da ponta, depois de reclamar do jejum, agora dorme calmamente. Zé Roberto, o travesti Sabryna (assim está escrito em sua prancheta) sumiu no meio da noite. Passa da uma da manhã, e mesmo sem sentir as dores, me sinto meio que o Marcelo Rubens Paiva em “Feliz Ano Velho”.
Rotina, sofrimento em silêncio. O paciente do banco agora está sentado à beira da cama com sua bolsinha de sangue presa na cintura. Pelo menos ele pode sentar, papai só fica deitado por ordens médicas (e mesmo se quisesse não conseguiria). Apagaram a luz do corredor, mas o balcão da enfermagem, exatamente de frente ao quarto, permanece aceso. Sono de passarinho nos leitos da Santa Casa.
Papai pede para inclinar a cama, o sujeito da bolsinha de sangue dorme de barriga para cima, o da Tireóide acorda e Levanta para fuçar a sua torneira de oxigênio, numa angustia de querer falar e não poder, ele vai atrás de enfermeiras.
O do jejum levanta, come e mija (como ele mesmo diz) e volta a dormir. Zé Sabryna ressurge e deita em sua cama. Parece preocupado com a cirurgia que logo acontecerá. Dorme pesado e ronca. Coisa de macho!
Sons das bombas de ar e motores da lavanderia poluem o ambiente auditivo. Enquanto isso há quem reclame porque teve de ficar em casa nessa sexta. E murmura indignado ao dizer que tem um problemão.
Enfim, papai cochilou pontualmente a uma e meia da manhã, mas logo acordou com dores.

Marcos Ferreira Silva

Um comentário:

  1. Mesmo da dor e da angustias ainda nasce Arte. :) Sempre divino com ar de humano.

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