sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O barco

Para Sabrina da Cruz
Sabe, um dia encontrei um barco na beira do mar. Um mar revolto, cheio de ondas ferozes. Era perigo eminente. Sem pensar muito, entrei no barco. Era uma canoagem pequena, alguns minúsculos compartilhamentos. Havia quatro remos; dois de um lado e dois do outro. Era óbvio que a embarcação precisava de duas pessoas para comandá-la. Não entendia nada de barcos, nem mesmo a razão daquele equipamento não poder ser guiado apenas por um sujeito. Bobagem, não queria velocidade, queria só chegar do outro lado.
Observei o horizonte, a vista turva. As nuvens pesadas. Senti uma lágrima de chuva pousar em meu rosto. As gostas faziam cócegas na superfície do mar. Não me intimidei. Comecei a mexer no barco ali aportado, empurrando-o para o oceano.
Com um pouco de trabalho, consegui desprende-lo da costa sem arranhar o casco nas pedras. Tinha um profundo receio de furar alguma parte daquela embarcação e, sem perceber, seguir viagem e acabar naufragando. O medo impulsionou um perfeccionismo que nunca detive. Chequei cada parte do pequeno barco. Averiguei todos os detalhes e me dei conta apenas de uma coisa: o que fazer com os dois remos extras?
Retirei as duas hastes grandes e pesadas e larguei ali mesmo na praia. Sentei-me no barco e fui mar adentro. O frágil barco seguia seu caminho com dificuldade, forcei o braço o quanto pude, com a intenção de dar mais impulso ao veículo. A chuva engrossava e eu já tinha o corpo todo encharcado. As roupas pesavam e os movimentos estavam ficando retardados. Os remos pesavam uma tonelada.
Um raio cortou o céu. Um arrepio tomou minha espinha. Tremi. Pensei em livrar-me daquela blusa, que de tão molhada não permitia os meus movimentos, mas não podia largar os remos. Novamente o medo veio me visitar. E se soltasse os remos e o mar os levasse embora? O que seria de mim? Fiz algo que não devia ter feito: olhei para trás e já não enxerguei a praia. Estava sendo engolido pelo mar.
Enfim entendi o motivo do barco precisar de dois remadores. Não tinha mais controle da embarcação. Andava em círculos sem me dar conta. Os ventos estavam cada vez mais pavorosos. Não queria admitir, mas estava no meio de uma tempestade, sem sequer saber para que lado estava o norte ou o sul.
O mar não perdoou minha ousadia. Os ventos fortes jogaram uma imensa onda sobre mim e o pobre barco não aguentou. Víramos no meio do oceano. Um trovão estridente e impiedoso seguiu o clarão do raio, batizando o meu fracasso.
Estava à deriva, pronto para morrer ali mesmo. Num breve lapso de consciência, agarrei-me ao barco capotado e o abracei como se ele, sem o meu comando, pudesse me salvar. Fui arremessado por um sopro divino e, sem me dar conta, fui jogado na beira da praia novamente. Estava vivo. E isso era um milagre.
As nuvens se dispersaram e o sol abriu no meio do céu. Primeiro uma pequena fresta entre as nuvens, e logo já era novamente brilhante como numa manhã de verão.
Estava tudo acabado. Nunca chegaria do outro lado. À minha direita o barco, impressionantemente intacto. Os remos foram devolvidos pelo mar. Aqueles que eu havia deixado na praia sumiram. Não adiantava mais correr. Era melhor ficar ali mesmo e lamentar o fracasso. Fechei os olhos e abaixei a cabeça em meio aos joelhos. Senti uma mão em meu ombro. Era uma mão confortante. Levantei-me e encarei a figura de sorriso doce e olhar penetrante. Era você. Em suas mãos os remos que eu, teimosamente, tinha largado na praia sem saber da importância.
Não precisei fazer nada, você mesma desvirou a embarcação suja de areia. Com um pano que trazia como de caso pensado, limpou o barquinho. Tirou do bolso uma bússola e me entregou. Entrou no barco e disse: “vai chover de novo”. Respondi: “é melhor ficarmos aqui então”. “Não é melhor irmos”, você retrucou.
Você posicionou os remos na posição certa e falou: “pegue os seus, agora você não vai afundar, vou remar com você”.
Cismado, perguntei: “por que está fazendo isso?”. Você pausou e respondeu: “esperei minha vida inteira por alguém que remasse comigo. E aqui está você. Vamos logo, precisamos chegar do outro lado”.
Teimoso, eu interroguei novamente: “mas não apareceu ninguém nesses anos todos?”. Você docemente falou: “até surgiram algumas pessoas, mas te vendo querendo chegar do outro lado, eu tenho certeza que é você. Só você. Vamos!”.
Marcos Ferreira Silva

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