quinta-feira, 1 de maio de 2014

Apenas um

Dois anos...
E nove meses...
Respirei fundo e olhei para tudo à minha volta. As paredes, o guarda-roupa, o violão, a revista, a TV ligada, o rádio em silêncio e o livro ao lado da cama. Peguei, folheei. Fui levado por uma lufada de pensamentos. Era o presente dela, a pessoa mais especial que já cruzou meu caminho.
Fiquei remoendo a memória que me remetia até o dia do beijo e a velha discussão: Quem, afinal, beijou quem? – passarei todos os meus dias sustentando a mesma versão. Eu a prendi na parede e selei o início dessa união. Ela rebate. Sempre rebaterá.
Aquele dia era apenas mais um dia até aquele momento. O toque dos lábios fez a atração evoluir e nascer uma paixão, que pouco tempo depois se tornaria um verdadeiro amor.
Cá estou, dia frio. Olho para a caneca em cima da mesa. Compramos juntos naquele show, naquela noite gelada. Meus olhos se guiaram para a prateleira: o boneco do Buzz e uma guitarra aos seus pés. Sorri. Presentes dela.
Uma ideia surgiu em minha mente. Planos para uma nova vida profissional. Ideia dela. Penso no dinheiro para o carro. Oh Deus, esse carro. Um dia ele sai. A fé que nos move. Eu e ela. E a casa? Ah, a casa. Me flagro sonhando com o cantinho nosso. As paredes brancas e salmão. As nossas coisas. A vida futura. Estará tudo lá, do jeito que sonhamos. Posso apostar. A cama macia, o nosso reino.
Sou assaltado por outro pensamento. A porra do livro! Preciso terminar de revisar a porra do livro (assim que trato carinhosamente minha obra literária). Parei por um instante. Se não fosse ela, eu não teria terminado. As ideias do próximo nascem quando estou com ela. O sorriso de canto surge mais uma vez.
Sinto um calafrio. Vestígios de uma febre. Lábios ressecados, dor no corpo. Vasculho a gaveta de remédios, atônito atrás da cartela de antigripal que um dia ela me indicou. Volto e me jogo na cama. Aquele lençol vermelho com listras e o travesseiro quase infantil, heranças de um tempo de criança que não me abandona em alguns momentos. Foi ela quem disse isso.
Desligo a TV que estava passando uma entrevista com o ator preferido dela e ligo o rádio. A música que ela ama. A banda que ela nunca lembra o nome. Quando a canção termina, mudo para o MP3, toca uma outra que diz: “O mundo é pequeno sem ter com quem dividir as coisas banais”. Me apego ao trecho e viajo em pensamentos. As cócegas, as risadas, as caras e bocas que só divertem a nós. O nosso código, o segredo.
Esfrego os olhos. Sinto a aliança roçar em meu rosto. O sorriso me domina pela enésima vez. As pálpebras se fecham e lembro-me de seu sorriso, seu olhar inquieto. Íris ávida. Sinto a paz. O mundo em detrimento ao nada e eu sorrindo.
A vida é ela. Tudo à minha volta já a pertence. Somos um...
Marcos Ferreira Silva

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