segunda-feira, 27 de junho de 2011

“Hey mãe! Eu tenho uma guitarra elétrica”

“Durante muito tempo isso foi tudo o que eu queria ter”. É verdade, isso não é uma simples referência à canção do mestre Humberto Gessinguer. A música dos Engenheiros do Hawaii, lançada no longevo ano de 1987, é uma crítica que marcou época e continua presente até os dias atuais. “A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”. Grande verdade. Que a diga o NX Zero e sua Coca-Cola.

Mas esta citação não tem a ver com o toda a filosofia do gaúcho Gessinger, mas com a primeira lembrança que tenho dessa música. Ainda menino, lá com os meus sete ou oito anos, fui querer aprender a mexer no aparelho de som com CD novo que tinham comprado lá pra casa. Finalmente a tecnologia dava um chega pra lá naquele som ‘ruizinho’ das fitas K7. Sinto saudade dos discos, mas das fitas não.
Tentando descobrir como se manuseava aquela geringonça, peguei alguns CDs que tinha em casa. Os primeiros de tantos que viriam. Passei pelos Raimundos e o seu clássico “Lavo ta novo”, novinho em folha, por um álbum de canções natalinas do Ivan Lins e parei numa coletânea dos Engenheiros. Lá na faixa nove me deparo com uma música serena, só com duas guitarras e mais nada. Me espantei, pois na minha santa ignorância, achava que a tal guitarra elétrica só servia para estourar os tímpanos da minha mãe. Era o que ela dizia. 
Acho que foi o meu primeiro contato efetivo com a música e em especial com o universo dos arranjos instrumentais. Daí eu percebi a riqueza do som e o seu infinito de possibilidades. Quem me propôs isso foi um par de guitarras elétricas num jogo de solos e dedilhados. Há 80 anos as guitarras propõem isso aos jovens de todo o mundo.
Blues, Jazz e principalmente o seu filho mais rebelde, o Rock (que passa por uma fase de tão bom moço que até assusta), são os principais representantes que carregam a injustiçada guitarra em suas essências. O que seria do rock sem a genialidade de Jimmy Page, os solos esfuziantes de Slash, o delírio de Kurt Cobain, a criatividade de Jack White e até mesmo e pioneirismo de Jimi Hendrix? Essa é uma pergunta até fácil de responder: o rock simplesmente não existiria!
O som doce das cordas daquela mutação do tradicional violão tomou os anos 50 e revelou um ritmo dançante com Bill Haley e Elvis Presley. Virou décadas com Beatles, Rolling Stone e a soberania da lenda viva Keith Richards, Van Halen, Bom Jovi e um infinidade de nomes pops e underground.
O peso sujo das distorções possibilitaram criar filhos mais rebeldes ainda. O Punk dos sinistros Ramones e Clash , o metal do Iron (que dispensa o Maiden de tão clássico), e do Metallica, que tem metal até no nome, não seriam os mesmos. Se é que eles teriam existido.
No Brasil, a guitarra fez um estardalhaço só. Em meio à ditadura militar, engajados jovens artistas como Gilberto Gil e Elis Regina, dentre tantos notórios nomes, estiveram em uma passeata contra o uso da guitarra elétrica na música brasileira, com o intuito de tirar um instrumento que era visto como símbolo de uma internacionalização da nossa cultura.
Engraçado que praticamente todos os envolvidos na manifestação entenderam que o protesto era descabido, tanto que Gil hoje anda com uma guitarra nos braços em boa parte de seus shows e Elis teve o doce som do instrumento em uma de suas principais canções: Como Nossos Pais.
Com o tempo, a guitarra se mostrou versátil e totalmente possível em diversos ritmos. O sertanejo romântico usa e usou até dizer chega, o samba contemporâneo de Jorge Ben ganhou identidade com as experiências do nosso Filho Maravilha. São tantos exemplos que ficar falando é pura demagogia.
A conclusão é que a guitarra é hoje uma senhora, respeitada, mas recatada e ressentida nunca.


Marcos Ferreira Silva

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