sábado, 28 de agosto de 2010

E a gente era tão feliz

Eu tenho um vídeo cassete, ou melhor, K7 e ele funciona. Atualmente o tenho utilizado para gravar especiais de fim de ano que passam na TV.
Ando tão nostálgico que cheguei ao ponto de ficar horas ouvindo músicas sertanejas que lembram o radinho de pilhas da minha mãe e suas transmissões das tardes de semana, embaladas por essas canções, na ansiosa espera da "...que saudade de você" do programa Eli Correa. E a gente era tão feliz...
Lembro-me daquelas tardes ensolaradas que eu tremia de medo no sofá da sala, graças às assombradas historias que o locutor narrava visceralmente no velho rádio, esse já aberto incalculáveis vezes por meu pai, numa tentativa incansável de fazê-lo funcionar. E ele conseguia, mas toda vez ele o tirava uma peça, que ironicamente não fazia falta. Infelizmente uma dessas peças fez falta e o rádio não funciona mais hoje em dia.
Sinto durante algumas manhãs a agradável sensação de voltar ao tempo que eu, meu irmão e minha mãe íamos aproveitar as promoções do mercado, comendo os pães ainda não pagos e correndo pelo estabelecimento quase vazio, dentro do carrinho cheio de macarrão instantâneo. E lembro dos dias frios depois da feira, que minha mãe fazia arroz, ovos fritos, feijão com coentro e uma salada de tomate com orégano que pareciam o melhor prato de todo o universo.
E a feliz coincidência de um dia ter me deparado com o acervo de gibis velhos do meu irmão, todos já meio amarelados e comidos por traças. E como foram boas aquelas tardes geladas das férias de Julho.
E como era legal, no verão, montar légos para mostrar pro meu pai quando ele chegasse do trabalho com sua típica sacólinha de roupas sujas às 5 da tarde... E a gente era tão feliz...
Me emociono só de lembrar das vezes que mamãe ficava doente e os homens da casa corriam para lá e para cá a fim de trazê-la as mil maravilhas para o lar, como naquele natal que uma ridícula sinusite a atacou e nós passamos a noite na porta do hospital em compania de um curioso gato que seguia meu irmão.
Ainda criança, tive o gosto milagroso de me apaixonar aos cinco anos por uma garotinha que morava no apartamento debaixo, que se mudou misteriosamente com a família, para que eu pudesse sentir pela primeira vez um karma que machuca todo homem.
Pudi me declarar aos seis anos para uma guria no meio da sala da sua casa, com direito à autorização da mãe da moça e tudo, como manda os costumes.
E um dia minhas pernas vibraram. Vi quando meu pai chegou às seis da tarde, durante um blecaute de energia, quando já estávamos preocupados, pois ele chegava às cinco, e lá estava ele com uma gaita na mão, qual eu havia pedido para tentar tocar como o menino-boneco do programa da TV...
Dei meu primeiro selinho na vovó do quarto andar e chorei aos sete, quando uma linda víbora loira (da mesma idade) me fez sofrer um ano inteiro, enquanto eu passava horas diárias a ouvir conselhos do meu irmão para como conseguir seu coração. Mas não deu certo.
Aos oito, tive o feliz destino de ser atacado por duas garotinhas ensandecidas - qual uma delas me presenteou com meu primeiro beijo.
Aos dez, acho que amei, e aos onze me apaixonei pela namorada de um amigo meu, e passei a pegar conselhos com outros amigos que nunca tinham vivido aquilo.
E chorei de alegria quando vi meu pai chegando debaixo de chuva com um violão nas costas às sete da noite, quando já estávamos ainda mais preocupados, pois ele chegava às cinco... e eu estava tão feliz...
Na sétima serie sai no braço com colegas de sala e fui taxado de baderneiro. E numa cirurgia eu retirei as amídalas, enquanto curtia a caminhada ao penta de madrugada numa cama de hospital, sem poder, logicamente, gritar...
Aos dezesseis eu amei, amei e amei, como nunca amei ninguém. E pude beijá-la no cinema durante um filme inteiro. E vibrava no quarto quando olhava pela janela, admirando a lua, cerrando os dentes e dizendo para mim mesmo que amava a garotinha mais linda do mundo... E eu estava mais do que feliz, eu flutuava...
Curtia muito Rock e montava uma banda atrás da outra. E comprei uma guitarra. E conheci os melhores amigos que eu podia ter. A gente era tão feliz...
Passávamos as aulas inteiras conversando e rindo de imitações e piadas que fazíamos. Zoávamos e me zoavam. E a gente estava mais feliz do que supúnhamos...
E depois eu chorei, chorei e chorei ainda mais do que eu imaginava que podia chorar ao ver a garotinha linda indo embora e me deixando para sempre, e eu a amava e amava mais do que eu supunha que podia amá-la e fiz uma série de músicas cafonas... E chorava. Meus amigos ficavam com raiva do meu lamentar sem fim. Eles xingavam, brigavam e depois me faziam rir...
Conheci mais um pouco da vida e encostei as músicas velhas.
E conheci ainda mais o mundo e vi gente chorando ao ouvir alguém tocando depois de uma comunhão na missa, mas era eu que estava lá na frente. Daí eu vi Jesus abraçando as pessoas e eu queria ficar ali a vida inteira. Depois eu vi muita coisa e senti muitas outras coisas e senti o que jamais esquecerei. E aconteceu tudo que eu jamais imaginei, e tudo parecia um sonho bom e ao mesmo tempo uma espécie de pesadelo. Uma contradição. E eu estava confuso.
Depois eu simplesmente gamei, e passei mal com um hambúrguer, e depois disso a chama apagou... Hoje eu evito comer nos encontros.
Conheci o desejo e uma serva de curvas deslumbrantes que me pirava e beijei uma loira numa estação de metrô e a cena se registrou como um filme... E naquela noite eu não conhecia ninguém mais feliz que eu...
E eu tinha uns amigos que tocavam e tocávamos as pessoas e vibrávamos com o som e sorriamos bobos com nós mesmos e, sabíamos que, nunca mais seriamos mais felizes do que naquele momento, e estávamos inteiramente certos.
Vi quando algumas pessoas partiram e vi o mundo de cabeça para baixo.
Estudei e conheci o ônibus mais interessante do mundo, com a viagem mais louca e as conversas inesquecíveis de todos os jovens... E eu trabalhei dois meses e saíram comigo. Chorei. Trabalhei um ano e tive de sair. Sorri. Trabalhei muito e muito e continuo, chorando e sorrindo...
Vi a vida tomando formas e amigos casando. Vi outros encontrando a alma gêmea e vi um amigo sendo pai. Tremi quando imaginei que poderia ser pai também.
Conheci uma garota que me mostrou que havia mais coisas entre o céu e a terra do que supunha a minha inútil e vã filosofia. E eu a dispensei por que não a amava. A fiz sofrer, e isso me doeu. O seu prazer ficou na memória.
Conheci uma garota e me apaixonei. E eu tentei tê-la, a fiz conhecer o mundo e a mostrei a poesia esquecida que ainda há no universo e tentei lhe convencer que podia haver um horizonte lindo, com um amanhã dos sonhos, e com nós dois. Um abraço, uma música. E ela não podia ser minha. E ela partiu...
Vi a cidade estranha e o mar. Vi Minas e Paraná.
Vi a faculdade berrar na minha frente, e lutei pelo sonho.
Sonhei com Londres, mas não sai de São Paulo.
E eu queria tudo, e conheci o erro, e era mais uma mulher deitada.
Tive uma amiga que chorava, pensava e pirava comigo e nós sabíamos que podíamos ser mais felizes.
E me alegrei ao saber que, debaixo do teto que morava, nós éramos inteiramente felizes.
Caí numa gargalhada quando olhei a minha volta e vi um contra baixo, uma bateria, violões e guitarras e um som animal sendo carregado no carro do meu pai. Vi minha mãe, minha avó e meu irmão baterem palmas para mim e um orgulho inconfundível no olhar de meu pai. Mas nada de chorar. Sem frescura, pelo amor de Deus.
E pude vibrar ao ter certeza que podia chamar de amigos de verdade aquele bando de gente que construía sua historias paralelas de uma só vez, todas ao mesmo tempo.
E meu irmão, sangue de meu sangue montou sua casa e me mostrou que viver é agora.
Eu rezei.
Vi Deus.
Aplaudi ao fim da primeira parte dessa história, por saber que a gente era tão feliz e que poderemos ser ainda mais, muito e muito mais felizes...
Marcos Ferreira Silva

2 comentários:

  1. bem,sobre esse texto,acho ate invasão minha comentar,afinal,é tão pessoal...mas la vou eu..
    você me surpreende a cada dia,você consegue transmitir tudo que te diz respeito de forma tão simples,tão linda,tão...emocionante,parece que estou lendo um livro e ao final descubro uma historia assim,feliz.
    mas acredito que a razão pela qual você escreve tão bem é o amor pelo que faz...é isso simplesmente amor...e eu te agradeço por ter feito parte da minha vida...e,mesmo,que de forma simples e rápida ter sido parte da sua história!!!
    bj...texto lindo ...

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