domingo, 22 de novembro de 2009

Sentimentalmente


Foto de Rodney Takata
Simone havia chorado tanto que já não sabia medir o quanto sofrera, não sabia mais se ainda restara alguma lágrima a ser derramada. Primeiro perdera seu pai, meses depois o irmão e dias que sucederam também o filho recém nascido. No enterro, ela desesperou-se questionando se havia justiça no mundo. E, num tom revolto, ela gemia; Pai, por que me abandonastes? Você existe? Você é justo?
Rodrigo ligou para seu velho emprego pela enésima vez, prometendo rever os antigos colegas. Visita qual tornaria a descumprir. Até quando duraria aquela dor? Nada mais era suficiente para sugar sua concentração. Seu pai passava horas do dia, tão longo, a contar as flores no jardim. Seu irmão capotara o carro uma semana antes de sua mãe partir e agora estava plantado a uma injusta e incrédula cadeira de rodas. Sua mãe... ah sua mãe! Ela nunca mais fecharia a porta do seu quarto e o cobriria do relento em noite fria. Nunca mais ele voltaria a comer como antes. Tinha emagrecido involuntariamente mais de vinte quilos. Lasanhas não tinham mais sabor. Nunca mais teriam. Ajeitou a jaqueta preta por cima das vestimentas sociais e partiu. Ergueria a cabeça. Mas como?
Júlia estava cansada daquele emprego medíocre, aquele salário ridículo e aquelas pessoas hipócritas. Trabalhara até as dez da noite sem nada pedir, apenas entregava seu suor de bom grado. Em retorno ao esforço exemplar, ouvia reclamações e perguntas ilógicas. Estava completando um ano que seu grande amor havia arrumado as malas e dito, inesperadamente, que não dava mais, que estava tudo acabado. Apenas um dia atrás seu sobrinho, ainda no ventre, havia sido impedido de conhecer este mundo de lágrimas. O que parecia importante para as pessoas à sua volta, para ela, nada valia.
Michel desistira de se entender. Estava exausto com as condições que a vida o impunha para crescer. O trabalho era sacrificante, o dinheiro era mínimo e os sonhos quase inalcançáveis. Começara a se endividar sem perceber, vítima de má fé, de pessoas más. Um pânico tomou seu coração e desabou drasticamente aos olhos de quem não poderia jamais ver aquilo. E entre flashes de uma vida tão rica, tão bela e algumas vezes tão vazia, ele a via em relances. Passado quase sete anos e ele ainda sonhava com ela. Em sua mente tudo seria diferente se ela não tivesse mudado os planos, não fosse, simplesmente, desistir de ser feliz ao seu lado. Para ela quatro meses. Para ele a vida toda.
Eliane também exalava preocupação com o amanhã. Estava enojada de seus afazeres naquela empresinha. Estava tão feliz com sua universidade. Iria cursar o que sempre sonhara. Estava em êxtase, mas tudo isso não apagava a dor que sentia ao saber que o amor que acalentava seu coração só lhe fazia iludir. Subir ao céu e cair. Não queria ser a outra, isso não. E só Deus sabia o quanto se arrependia de ter largado sua terra natal para morar num canto desconhecido com seus tios, acompanhada de brigas e futilidades.
Maria não suportava ser tão forte. Cuidar de si própria era fácil, difícil era segurar a barra de ver sua jovem filha doente, ora bem, ora não. Posar de mãe para vizinhos, amigos e parentes era coisa mais complicada. Os oito anos com a responsabilidade de uma chefia no trabalho começavam a pesar. Quantos maldizeres e mesquinharias. Alguns hábitos tão abomináveis eram tomados por ela sem perceber, e quando fazia exames de consciência já não se reconhecia. Ser forte para ver o irmão morrer injustamente assassinado. Para ver a mãe partir agoniada em uma doença tão cruel que não queria nem lembrar. O marido traidor e mau caráter que lhe abandonara numa tarde de domingo em pleno veraneio. E como é amargoso, até hoje, lembrar da sua outra filha morrendo em meio a uma brincadeira de criança. Achava que não ia suportar tudo aquilo, mas estava suportando.
E como ainda não cremos que o mundo sacode para todos os lados? Como ainda não descobrimos que a vida nunca vai ser fácil? Espero o dia em que entenderemos que somos, sentimentalmente, iguais.
Marcos Ferreira Silva

Um comentário:

  1. No fundo somos meros mortais em busca de conforto e acalento...de colo, de incentivo, de liberdade... por mais que as coisas sejam difícies para um lado, não podemos esquecer que a história tem sempre ou pelo menos, dois lados. E que nesta gangorra da vida, enquanto um está subindo, o outro está descendo e é assim que a banda toca...

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